Imaginemos a seguinte situação: diante da pandemia de Covid-19, uma pessoa resolve contratar um plano de saúde no mês de março de 2020. O plano envia ao contratante as condições e preços, bem como o questionário de saúde para avaliar doenças pré-existentes. O beneficiário não tem doenças pré-existentes e o plano aceita o novo beneficiário, emitindo o boleto inicial de cobrança. O boleto é pago e o contrato passa a vigorar.
Em abril de 2020, ou seja, 30 dias após a contratação, o beneficiário é acometido de Covid-19 e vai um hospital referenciado do plano de saúde. O plano de saúde, seguindo orientação da ANS, nega o atendimento sob alegação de falta de cumprimento de carência. A conduta do plano de saúde é correta?
Os planos de saúde no Brasil são regulados pela Lei 9.656/98 e fiscalizados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). A Lei 9.656/98 prevê limites máximos de carências contratuais, limites estes seguidos por todos os planos de saúde. Dentre estes limites, está o período de carência para atendimentos em casos de urgência e emergência. Este prazo é de 24 horas, como definido no artigo 12, V, c, da Lei 9.656/98.
A diferença prática entre os casos de emergência e de urgência para atendimento inexiste. Porém, o artigo 35-C, da Lei 9.656/98, trata como sendo casos de urgência aqueles decorrentes de acidentes e os casos de emergência os casos em que haja doença com risco de vida para o paciente.
Pois bem, pergunta-se: a Covid-19 é caso de emergência ou não para efeitos da Lei 9.656/98?
A Covid-19 acarreta uma síndrome respiratória grave, atacando os pulmões do paciente. Em muitos casos, o quadro clínico é grave o suficiente para acarretar intubação e período acoplado a respirador artificial em unidade de terapia intensiva. A ausência de hospitalização pode levar à morte do paciente. A gravidade da doença no paciente deve ser avaliada pelo médico. Se o médico entende que se trata de motivo justificado para internação, então o caso é grave (ou seja, situação de emergência) e a carência do plano de saúde é de 24 horas. Qualquer negativa por parte do plano é caracterizada como abusiva e ilegal por violar a Lei 9.656/98.
Assim, um paciente acometido de Covid-19, com indicação médica para internação, deve ter a hospitalização coberta pelo plano de saúde, sob pena de conduta abusiva e ilegal por parte do plano de saúde.
As Defensorias Públicas têm ajuizado ações civis públicas visando obrigar os planos de saúde a cobrir e autorizar as internações de beneficiários de planos de saúde acometidos de Covid-19.
Em São Paulo, o juiz da 32ª. Vara Cível Central da Capital do Estado de São Paulo, concedeu liminar que obriga a liberação da internação nos casos de Covid-19.
“O momento presente é de total excepcionalidade e permite, juridicamente, a interpretação de que é abusiva a negativa de cobertura por plano de saúde a pacientes suspeitos ou efetivamente portadores do vírus covid-19 em razão de carência contratual, pois todos esses casos, sem distinção, devem ser considerados urgentes”, ressaltou o Juiz Fábio Souza Pimenta, na decisão.
Entendemos que a conduta dos planos de saúde ao negar a internação para casos de Covid-19 sob o fundamento de não cumprimento de carência é abusiva e ilegal. Passado o período de carência de 24 (vinte e quatro) horas para casos de emergência e urgência, o plano de saúde deve atender o beneficiário do plano e autorizar a internação.
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