Pular para o conteúdo principal

União deve fornecer remédio de alto custo não registrado na Anvisa a criança portadora de distrofia muscular

Para magistrado, é dever dos entes públicos custear o tratamento aos necessitados. Medicamento é aprovado pela União Europeia e utilizado em 31 países

O Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), manteve decisão que concedeu a tutela antecipada para que a União forneça a uma criança de 7 anos, portadora de Distrofia Muscular de Duchenne, o medicamento Translarna (Ataluren), garantindo o fornecimento contínuo ao tratamento da doença nas quantidades descritas no relatório médico.

A Distrofia Muscular de Duchenne é uma doença genética degenerativa que atinge a musculatura esquelética comprometendo força e movimentos. O quadro leva os afetados à cadeira de rodas no início da adolescência e provoca o óbito por volta dos 25 anos, numa proporção de 75% dos doentes. Atinge um para 3.500 nascimentos do sexo masculino, o mais alcançado pela doença.

Para o magistrado, a gravidade da doença - mortal, ao longo dos anos - e a urgência da demanda do autor, um menino de 7 anos, envolve o direito à saúde, que é cuidado como matéria constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Apresentando jurisprudência consolidada pelo Supremo, Di Salvo destacou que fornecer atendimento médico e remédios é dever constitucional do Estado. “O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos menos afortunados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos necessários ao restabelecimento da saúde".

Acrescentou que o STF tem orientado ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), desde que reste comprovação de que não haja outra opção de tratamento eficaz para a enfermidade.

Eficácia

No recurso interposto no TRF3, a União sustentou a ocorrência de violação da eficácia vinculante do julgado proferido pelo STJ no RESP repetitivo nº 1.657.156 (Tema 106), segundo a qual se exige, dentre outros requisitos cumulativos, o registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que se possa concedê-lo mediante ordem judicial.

No entanto, para o relator do processo, o fato do medicamento não estar aprovado pela Anvisa não proíbe o seu uso no tratamento da criança. Ele salientou que o remédio obteve aprovação para uso e comercialização em mais de 31 países, depois de obter registro na Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

Segundo ele, apesar da discussão do Tema 106 no STJ sobre se o Poder Público está ou não adstrito a fornecer medicamento de alto custo não aprovado ainda pela Anvisa, a questão está aberta no STF, por se cuidar de matéria constitucional.

Logo, em respeito ao Tema 106 do STJ, caberia apenas identificar se o medicamento é comprovado para o tratamento pretendido e se a parte teria capacidade financeira para suportar o tratamento.

Na decisão, o magistrado ressaltou que o medicamento é o ideal para tratamento e que há prova suficiente, conforme laudo médico da neurologista pediátrica descrevendo com detalhes a situação da criança e os potenciais agravamentos que podem leva-lo até mesmo a morte se não se adotar o tratamento reclamado. “O SUS fornece apenas paliativos para a doença, e ainda assim somente em alguns Estados da Federação”.

Quanto ao custeio, destacou que se trata de medicamento com preço muito além do patrimônio de qualquer brasileiro comum. Explica que o pai da criança tem apenas o curso fundamental incompleto e trabalha como sushi-man e não se sabe onde poderia arranjar quase R$ 2 milhões para o tratamento.

Ao indeferir o pedido de efeito suspensivo da União, o Desembargador Federal disse que era relevante e plausível a concessão da medicação à criança de 7 anos, pois se tratava de indivíduo vulnerável, conforme preconiza o artigo 7º, do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”, concluiu.

Agravo de Instrumento 5004419-89.2019.4.03.0000

FONTE: TRF 3a. Região

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

União não pode ser condenada a ressarcir gastos com saúde de cidadão que optou por atendimento na rede particular

Por unanimidade, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao recurso apresentado pelo espólio da parte autora objetivando a condenação da União, do Estado da Bahia e do Município de Salvador ao ressarcimento total dos gastos despendidos quando do tratamento de saúde da autora em hospital particular. Na decisão, o relator, desembargador federal Kassio Nunes Marques, afirmou que a prestação da assistência à saúde pelo poder público se dá em estabelecimentos públicos ou privados conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), “ não se admitindo que o administrado escolha o estabelecimento hospitalar que queira se tratar, como no caso em apreço ”.  Na apelação, o espólio alegou que sua demanda não tem como objetivo a prestação de serviço de saúde por parte do Estado a um cidadão, mas sim, a busca de ressarcimento por gastos devido à violação estatal na prestação de seu dever constitucional. “ Assim, em se tratando de ressarcimento de gastos devido à omissão d...

Plano de saúde ressarcirá cardíaca que precisou de avião UTI para socorrer-se em SP

A 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em matéria sob a relatoria do desembargador Osmar Nunes Júnior, decidiu manter a obrigação de uma operadora de plano de saúde em reembolsar segurada do sul do Estado em R$ 18,6 mil, acrescidos de correção monetária e juros. Vítima de um problema cardíaco, a segurada teve que utilizar um avião UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) para o deslocamento de urgência entre hospitais de Florianópolis e São Paulo. Por problemas congênitos no coração, a beneficiária do plano de saúde estava internada na UTI de uma unidade hospitalar da capital catarinense. Com a evolução do quadro clínico, ela precisou ser entubada e transferida para a UTI de um hospital de referência em São Paulo. Na ação ajuizada por danos materiais e morais, a segurada alegou que acionou a operadora no momento da urgência, mas não obteve sucesso. Diante da extrema necessidade, a família contratou serviço de táxi aéreo UTI móvel, pelo valor de R$ 18,6 mil, alé...

STF mantém validade de normas que limitam atuação dos optometristas

A maioria dos ministros entendeu que cabe ao Poder Legislativo regularizar a qualificação desses profissionais O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade de dispositivos que limitam a liberdade profissional dos optometristas, técnicos que diagnosticam e corrigem problemas na visão, sem prescrição de drogas ou tratamentos cirúrgicos. Por maioria, o Plenário, na sessão virtual encerrada em 26/6, julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 131. Os Decretos Presidenciais 20.931/1932 e 24.492/1932 impedem, por exemplo, que optometristas instalem consultórios e prescrevam lentes de grau. Segundo o Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria (CBOO), autor da ADPF, na década de 1930, quando as normas foram editadas, a função era desempenhada essencialmente por “práticos”. Atualmente, no entanto, trata-se de uma especialidade oferecida por instituições de ensino superior com currículo reconhecido pelo Ministério da Educação. A restrição, para o CBOO, ...